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O Cérebro de quem decide

Revista Amanhã, Andreas Müller

Um psicólogo de Harvard disseca a mente dos grandes líderes da história e descobre que a arte da persuasão vai além do que pregavam os especialistas em oratória e neurolingüística.

A literatura corporativa está repleta de livros que prometem revelar as “técnicas ocultas” utilizadas pelos grandes líderes para influenciar e mobilizar pessoas. Agora, um psicólogo norte-americano da mais alta patente promete revolucionar essa biblioteca com uma obra inovadora. Howard Gardner, um dos renomados pesquisadores da Universidade de Harvard, elaborou ao longo de uma década uma espécie de raio-x dos cérebros mais influentes da história. Da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher ao superCEO Jack Welch, Gardner analisou como essas personalidades “mudaram a cabeça” de outros indivíduos. O resultado da pesquisa deu origem ao livro Changing Minds – The Art and Science of Changing Our Own and Other People’s Minds (na tradução literal, “Mudando Idéias – A Arte e Ciência de Mudar as Idéias Próprias e de Outras Pessoas”). Lançada no início deste ano, nos Estados Unidos, e ainda não publicada no Brasil, a obra comprova: ao contrário do que se imaginava, a ciência da persuasão vai muito além dos exercícios de oratória ou das nuances da linguagem corporal.

Até agora, acreditava-se que influenciar pessoas era uma habilidade comportamental, e não intelectual. Uma pesquisa bastante conhecida na área de programação neurolingüística, por exemplo, pregava que apenas 7% da comunicação interpessoal ocorre por meio das palavras. A entonação da voz responderia por 38% da mensagem, enquanto a postura corporal e as expressões do rosto transmitiriam nada menos do que 55% das informações captadas pelo cérebro humano. “Dizem que o cantor é mais importante do que a canção. Da mesma forma, quem fala é mais importante do que aquilo que está sendo falado”, defende Lair Ribeiro, um dos maiores especialistas em neurolingüística do país. O estudo de Gardner refuta essa tese. O psicólogo descobriu que os líderes mais influentes do mundo expõem suas idéias de uma forma racional e sistemática – e com uma estrutura de argumentação envolvente. Resumindo, as palavras têm muito mais importância no discurso persuasivo do que se pensava. “Na verdade, a mente processa e arquiva informações de diversas formas. Cada idéia que temos é representada ou por uma imagem, ou por um som ou por outros tipos de signos mentais”, conta Gardner. Para mudar uma pessoa ou suas opiniões, portanto, é necessário remodelar essas roupagens que a mente dá a cada idéia. “E isso pode ser feito de várias maneiras. Inclusive conversando”, garante Gardner, em entrevista exclusiva a AMANHÃ.

Não que a neurolingüística esteja ultrapassada. Gardner está simplesmente cobrindo uma antiga lacuna da ciência da persuasão. De quebra, está ajudando a desvendar por que algumas pessoas conseguem mover multidões com o dom da palavra. “Hoje, provocar mudanças é uma habilidade obrigatória para qualquer líder”, percebe o professor Oren Harari, especialista em gestão estratégica da Universidade de São Francisco, nos Estados Unidos. Na atual dinâmica da economia global, explica ele, as empresas são obrigadas a estar sempre em compasso de transição. “Imitar se tornou algo muito fácil, especialmente em mercados emergentes como o Brasil e a China. Por mais moderno que seja, qualquer serviço ou tecnologia corre o risco de ser copiado”, defende Harari a AMANHÃ. Nesse cenário, mudar constantemente (de mercados, tecnologias, sistemas de gestão etc) é a única proteção que as companhias têm contra a ameaça da “commoditização”.

O problema é que raramente as pessoas estão preparadas para mudar na velocidade que o mundo dos negócios exige. Pelo contrário: por natureza, a mente humana prefere as mordomias da estabilidade às incertezas da mudança. De acordo com o psicólogo José Ernesto Bologna, os indivíduos geralmente criam uma fixação por hábitos e comportamentos que se mostraram eficazes no passado. “Uma das características do psiquismo é a tendência à repetição”, define Bologna, que também é diretor da consultoria Ethos Desenvolvimento Humano e Organizacional. Essa tendência à acomodação é uma verdadeira dor de cabeça para os executivos e empresários que tentam implantar novos paradigmas em suas companhias. Sem a devida preparação, dificilmente eles conseguem contornar as resistências e levar seus projetos adiante. “Influenciar pessoas está cada vez mais difícil”, diagnostica o médico Nelson Spritzer, especialista em programação neurolingüística e diretor do Grupo DolphinTech, em Porto Alegre. “No ímpeto de fazer as coisas acontecerem com rapidez, alguns líderes empresariais tentam persuadir seus empregados de maneira grosseira, à base de autoritarismo. Surgem conflitos, tensões... E aí é que a iniciativa não vinga mesmo”, descreve ele.

Para Howard Gardner, a resistência às mudanças é resultado do próprio amadurecimento da mente humana – ainda que isso soe um tanto paradoxal. Durante a infância, diz ele, as pessoas facilmente trocam de conceitos, opiniões e atitudes. “Às vezes, fazem isso até voluntariamente”, observa. “Entretanto, na medida em que envelhecemos e nossas conexões cerebrais se consolidam, a mudança se torna mais difícil”, pondera. Para ele, há três fatores que determinam o grau de “teimosia” do cérebro: a idade, o envolvimento emocional e a exposição pública do indivíduo. “Quanto mais velhos ficamos, menor é nossa tolerância ao novo. Da mesma forma, se temos uma ligação afetiva muito forte com uma ideologia, ou se precisamos zelar por uma posição pública, dificilmente assimilamos pontos de vista diferentes”, exemplifica Gardner.

Sendo assim, por que alguns líderes conseguem, apesar de tudo, romper as barreiras naturais da mente e mudar as pessoas? Em síntese, pode-se dizer que eles têm um talento inato para “dialogar” com o cérebro dos outros. É como se esses indivíduos conhecessem os caminhos que a informação percorre até ser processada e arquivada na memória e, assim, pegassem um atalho. Não por acaso, Gardner concluiu em sua pesquisa que a estrutura da linguagem persuasiva é geralmente a mesma, seja qual for a situação ou o assunto em pauta. Na prática, isso significa que tanto grandes empresários como políticos, artistas, músicos e outras personalidades influentes organizam e comunicam suas mensagens de um jeito parecido. Em seu livro, Gardner identifica as sete características em comum que potencializam o discurso persuasivo. O autor chama essas características de “vetores da mudança” (change levers), e garante: qualquer pessoa que souber manejá-los tem potencial para se tornar mais influente. Eis os vetores:

Razão

Durante uma discussão, os líderes usam e abusam de argumentos racionais e objetivos. Eles analisam explicitamente os prós e contras de cada idéia debatida, e fazem isso com clareza, para que os interlocutores compreendam facilmente a linha de raciocínio. Essa postura “pé-no-chão” torna o debate mais palpável. Assim, mesmo sem perceber, as pessoas se sentem mais seguras e receptivas à mensagem. Afinal, os processos de mudança sempre envolvem um alto grau de incerteza.

Pesquisa

Os indivíduos influentes reforçam seus pontos de vista com uma série de dados objetivos. São estatísticas, fatos e outras informações que ajudam a sustentar as idéias de forma realista e coerente. Normalmente, essa compilação é feita antes da apresentação ou da discussão dos argumentos. A primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, responsável pela reviravolta econômica da Inglaterra na metade dos anos 80, costumava sobrecarregar os departamentos do governo inglês com pedidos de pesquisas e informações. Entre as pessoas comuns, essa busca de dados pode ser feita por meio de leituras ou de simples recapitulações mentais.

Ressonância

Aqui entra a velha e boa retórica. Pessoas persuasivas são extremamente sensíveis ao ambiente e ao estado de espírito dos outros. De forma subliminar, elas utilizam essa percepção para estabelecer conexões afetivas com seus interlocutores – que, em resposta, identificam-se rapidamente com o que está sendo dito. Essas conexões são importantes para o sucesso da mudança. Há diversas formas de estabelecê-las. A maioria pode ser encontrada no campo da neurolingüística – embora Gardner não mencione essa disciplina em seu livro.

Redescrição

Gardner descobriu que os grandes líderes utilizam várias embalagens para transmitir o mesmo conteúdo. Ou seja, não têm pudor nenhum em repetir e repetir suas próprias idéias, cada vez de um jeito diferente – ora por meio de descrições objetivas, ora por meio de metáforas, histórias e outros recursos. Segundo Gardner, a Redescrição” é um dos vetores mais poderosos. Como se sabe, o cérebro humano utiliza muitas “linguagens” para armazenar informações. A variedade de meios, portanto, aumenta as chances de a mensagem ser captada.

Recursos e recompensas

Gardner diz que as chances de alternar as opiniões de uma pessoa aumentam quando se oferece a ela a oportunidade de “experimentar” a transformação. Por exemplo: permitindo que um consumidor da marca X tenha acesso irrestrito a produtos da marca Y. “Mas é preciso dosar”, alerta o autor. “Sem uma argumentação adequada, esse tipo de abordagem só traz resultados durante a experiência.” O mais importante, diz ele, é que a pessoa consiga enxergar claramente as recompensas da mudança. Trata-se de um motivador fundamental.

Fatos realistas

Com freqüência, as empresas e a própria sociedade são obrigadas a se adaptar a acontecimentos de grandes proporções, como guerras, recessão ou mesmo o crescimento acelerado de um mercado promissor como o da China. Por sua própria magnitude, esses eventos exercem um efeito coercitivo nos indivíduos. Cientes disso, muitos líderes utilizam esses acontecimentos para contextualizar ou justificar seus argumentos. Não por acaso, a maior parte dos discursos políticos mencionam grandes fatos da macroeconomia e da conjuntura global.

Resistências

Instintivamente, o ser humano resiste a tudo que é desconhecido. Muitos empresários, porém, parecem desconhecer esse fato. E, assim, tentam impor novos paradigmas em suas organizações, ignorando as eventuais objeções dos funcionários. A longo prazo, essa postura pode colocar em xeque todos os avanços implementados. Se puderem, as pessoas tentarão voltar aos antigos padrões de conduta. Para Gardner, uma mudança somente tem êxito quando as resistências são abordadas direta e explicitamente – e, se possível, solucionadas.

Faça a coisa certa – Os “vetores” estão longe de ser a resposta definitiva para quem deseja aprimorar seu poder de influência e mobilização. Mas há uma importante mensagem embutida na tese de Gardner que pode ser aplicada a todas as situações: para surtir efeito, as mensagens da mudança precisam ser planejadas, estudadas e – o mais importante – comunicadas com primazia. “Silenciosamente, os líderes sempre elaboram uma estratégia para expor suas idéias da maneira mais eficiente”, garante Giancarlo Medeiros Pereira, professor do Gestão em Mudança Organizacional do MBA Unisinos e autor do livro Persuasão (Editora Diferenciar, 104 páginas). Assim, acrescenta ele, elas conseguem ter uma noção clara das resistências que poderão surgir e das abordagens que tendem a funcionar melhor. “Para isso, é importante pesquisar com antecedência o perfil dos ouvintes”, alerta Pereira. Por exemplo: se o discurso for dirigido a um público predominantemente pragmático e calculista, deve-se priorizar argumentos baseados em números, fatos e estatísticas. Para um grupo mais humanista, não podem faltar metáforas, histórias e outros apelos subjetivos.

Em sua pesquisa, Gardner reconhece a importância de se adaptar o discurso aos gostos da platéia. Conforme a situação, diz ele, alguns “vetores” podem ser mais eficientes do que outros. No caso de líderes empresariais, sindicais e professores – que comandam grupos intelectualmente homogêneos – vale a pena investir nos vetores “Razão”, “Pesquisa” e, especialmente, “Redescrição”. “A habilidade de transmitir informações de várias maneiras diferentes é essencial para dialogar com as múltiplas linguagens do cérebro e causar uma mudança duradoura”, prega Gardner. Para os especialistas em persuasão, porém, isso não chega a ser novidade. “Contar histórias, utilizar metáforas, fazer exercícios lógicos são ferramentas comuns e poderosas do bom comunicador”, observa Nelson Spritzer, da Dolphin Tech.

De qualquer forma, não é preciso ir muito longe para encontrar líderes que, mesmo sem saber, aplicam na prática os “vetores de mudança” de Gardner. Um exemplo é Eero Leo Jokiaho, diretor industrial da Motosserras Stihl, de São Leopoldo (RS). Em 1987, quando ele assumiu o cargo, a unidade brasileira era uma das mais ineficientes do grupo alemão. Para piorar, a política de substituição de importações baixada pelo governo federal na época inviabilizava qualquer investimento em maquinário ou modernização. “Um equipamento de tornearia, aqui, chegava a custar dez vezes mais do que na Europa”, lembra o executivo. Em outras palavras, a única alternativa da Stihl para reduzir custos e se tornar novamente competitiva era investir nos próprios empregados. “Precisávamos mostrar que eles também eram responsáveis pelo negócio”, recorda Jokiaho. A nova postura representava uma mudança radical no estilo de vida da companhia. Os funcionários teriam de trabalhar em equipes, tomar cada vez mais decisões e arcar com novas responsabilidades. Para convencê-los a aceitar a novidade, Jokiaho reuniu todos em uma conferência. Após explicar o motivo do encontro (o vetor da “Razão”), o executivo pediu para um dos operários subir ao palco e descrever sua função na empresa – estabelecendo, assim, um ponto de identificação com o público (“Ressonância”). “Durante um bom tempo, ele explicou que trabalhava na fundição, ao lado da injetora, tudo nos mínimos detalhes”, relata. Terminada a sabatina, Jokiaho chamou o diretor-geral da Stihl ao palco e perguntou se ele havia entendido o relato do operário. O diretor respondeu que não – e que até desconhecia os detalhes mais técnicos descritos pelo funcionário. “Foi uma maneira diferente de dizer (“Redescrição”) que os verdadeiros experts da fábrica eram os funcionários, e não os diretores”, conclui Jokiaho.

Se a iniciativa inusitada de Jokiaho gerou bons resultados, foi por um único motivo: as pessoas raramente mudam de atitude ou comportamento com base em uma análise lógica da situação. “Se eu tivesse me sentado lá na frente e apenas falado que precisávamos de uma nova postura, ninguém me daria ouvidos”, confessa Johiako. De fato, um dos mais respeitados especialistas em mudanças organizacionais do mundo, o norte-americano John Kotter recomenda que as abordagens de persuasão tentem mexer no lado afetivo das pessoas. “As organizações bem-sucedidas mostram de uma forma irresistível quais são os problemas e como eles devem ser solucionados. As emoções suscitadas atenuam os sentimentos inibidores e impulsionam as ações desejadas”, esmiúça Kotter no livro O Coração da Mudança – Transformando Empresas com a Força das Emoções (Campus, 202 páginas). Segundo Kotter, a maioria dos processos de transformação fracassa justamente porque as empresas levam os funcionários a “ver” determinada situação de maneira diferente, quando o correto seria fazê-los “sentir” a mudança. Daí a importância de se estabelecer uma conexão afetiva com os interlocutores – ou “Ressonância”, como prefere Gardner.

Há de se distinguir, ainda, as diferenças entre mudar e manipular pessoas. A ciência da persuasão está longe de oferecer meios de se controlar a mente humana. É certo que as diversas técnicas de influência, incluindo os sete vetores de Gardner, funcionam melhor quando utilizadas discretamente, sem que os demais percebam. Mesmo assim, elas servem apenas para estimular o cérebro dos indivíduos a processar informações de formas distintas. A decisão de aceitar ou não esses estímulos não pode ser comandada. “Ninguém passa por uma mudança importante de forma involuntária”, ressalta a consultora Rosália Schwartz, especialista em alta performance mental e estudiosa da linguagem hipnótica. O máximo que os manipuladores conseguem provocar são mudanças momentâneas de opinião ou de atitude. Mas dificilmente se pode alterar o comportamento dos outros de forma definitiva. Pelo contrário. “Tentar manipular as pessoas é dar um tiro no próprio pé”, garante Howard Gardner.